terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Bolicho do Mozo




Ali na beira da estrada,
Num rancho que também servia de morada,
No distrito de boca da picada, município de Jaguary,
Existia um bolicho
Onde, nos domingos, era aquele reboliço
Da peonada a conversar,
Uns lá fora, que gostavam do retoço,
Ficavam jogando osso
Numa sombra de “sinamão”,
E o cabo Di, índio veio mui gritão,
Apostava ser parar...
Ganhava um pouco, até se emborrachar,
Mas depois perdia tudo num “culo”, baita azar.
Outros perto do balcão,
Onde tinha farto sortimento,
Canha pura ou misturada
E uns “legumes de porco” atados nuns tentos.
E numa mesa ali do lado
Ouvi um verso de amor...
Era um gaúcho apaixonado
Jogando truco e cantando a flor!
Entre um trago e outro de canha,
De vez em quando até uma china se assanha...
E o bolicheiro de bigode e costeleta
Bem pintada de preta com graxa de sapato
Com uma cara de quem marca na paleta,
De quem sozinho tira boi do mato,
Vai enrolando seu palheiro,
Nos dedos a agilidade de gaiteiro
E fica ali, olhando trigueiro,
Dá prá ver no fundo dos seus olhos
Que o índio não é mui hospitaleiro.
Mas bolicheiro tem que manter o respeito do lugar,
Se a cara for muito boa
A freguesia é capaz de não pagar...
E como tudo nessa terra tem seu encanto
Neste bolicho, eu lhes garanto,
Era a filha do dono do armazém,
Mais linda que uma pastagem de azevém,
Com cheiro de flor de pitanga,
Capaz de transformar peão em boi de canga,
Mas mexer com ela não convém...
O pai é um xerife e a mãe, pior que um sargento,
Acho que só a velha já afasta investimento,
Uma dona meio retaca, com uns braços de polenteira,
Só um tapa dela é pior que estalo de soiteira...
E ainda mui metida,
Do tipo mandona e casamenteira,
Que ficava com um nojo do patrão
Quando pegava a oito baixos gemedeira...
Ter que aturar uma dessas como sogra
É muito sacrifício pruma vida inteira...
E sacrifício o peão já tem de sobra,
Na lida do campo, serviço pesado,
Mas mesmo “ansim”, quando me sobra uns trocados,
Eu boto tudo de lado
E volto praquela bodega,
Pois a coisa que mais me alegra,
Que me deixa enfeitiçado,
É poder tomar um trago
Neste verdadeiro retrato da campanha.

* algumas palavras tem grafia errada propositalmente para soarem de forma parecida com o linguajar do bolicheiro...
* “sinamão” é uma árvore cujo nome popular é sinamomo
* “legumes de porco” significa derivados de porco, tais como salame, presuto, lingüiça... (era assim que o bolicheiro chamava)...

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